Alfredo Pérez Alencart, Miguel Elías y António Salvado (Foto de Jacqueline Alencar, 2014)
Crear en Salamanca tiene el privilegio de publicar por vez primera los poemas de nueve autores portugueses cuyos versos han sido caligrafiados e ilustrados por el reconocido pintor Miguel Elías, profesor de la Universidad de Salamanca. Los mismos, recién terminado, serán expuestos como murales dentro de la V Edición del Festival Literario de la Gardunha, a celebrarse a finales de este mes de mayo en la ciudad lusitana de Fundão.
La pieza central está basada en un poema inédito de A. P. Alencart, que también da título a la muestra de Miguel Elías, algo que ya publicamos en nuestra revista:
PASAPORTE EL CORAZÓN. Caligrafía sobre el muro poema Alfredo P. Alencart MIGUEL ELÍAS (1)
INFÂNCIA
António Salvado
Do coração se nutrem as ruínas.
Os brinquedos deixados na saudade:
bonecos desenhados na parede
da ternura e nas pétalas do riso.
A ressurgida voz emudecida
que falava das fadas e do medo:
O sussurro murmúrio do jardim,
semeador memória de pureza.
Do coração se nutre a velha casa.
INFANCIA
Del corazón se alimentan las ruinas.
Los juegos olvidados en la nostalgia:
muñecos dibujados en la pared
de la ternura y en los pétalos de la alegría.
La resurgida voz enmudecida
que hablaba de las hadas y del miedo:
El susurro murmurante del jardín,
sembrador memoria de inocencia.
Del corazón se alimenta la vieja casa.
Traducción Poeta Alfredo P. Alencart
PARA AS SOMBRAS DA LOURDES CASTRO
Helder Macedo
A solidão da morte gera sombras
que os corpos cristalizam
nas fronteiras de sombra dos destinos
para dar um nome pessoal
e exacto
à nossa identidade transitória.
As sombras preexistem os destinos
como a morte preexiste a vida
mas a luz que as sombras libertaram
projectadas
somos nós
aprisionados libres
nos espelhos paralelos
duma sombra e sua ausência.
TEU SER
José Luís Mendonça
Teu ser
modelado a barro vivo
é de um breve negro
quando te sentas no chão
Escrava dos minutos infinitos
teu ângulo de água aberta
aquece
luas remotas.
A IMAGEM ROMÂNTICA
Margarida Vale de Gato
Há outras coisas, Horácio,
e a tua filosofia é barata,
na verdade não custa fixar
as coisas ideais à distância:
terás vista panorâmica
mas sempre a visão é polémica.
Gostava que alguém me mostrasse,
mas não terei nunca garantia
de que envelhecer faça sentido.
As pessoas prostram-se, queremos que nos digam
porquê não haver luz nos seus rostos. Crestam
os cravos, antes rubros. Não há modo
de saber se as monarcas
têm memórias arenosas de lagarta.
Tudo sucede dentro de estanques
casulos, a seda é densa,
não se faz ideia
se isto acaba. Estrelas foscas
correm, pessoas morrem, a vida
é breve, impávido o
real se esquiva a designar.
Comparar é colidir: o verbo
talvez nos leve
a mais nenhum sinal.
PURA
Raquel Nobre Guerra
esta gente que colhe água para derramá-la
compassivamente sobre a chaga
esta virtuosa carraça da solidão pública
com redentor cigarro público também
esta solidão assediando cretinos e sábios
esta deserta implausível cartada
grande força erguida a prumo
esta gente sobre esta imperial e sopa à frente
esta gente que se levanta de peito e escreve
para não matar ninguém
MEDITANDO
Lopito Feijó
– engoli dum espinheiro um grande raminho –
&
da tese concebida ao prefácio por escrever
teço toc toc enquanto toco levemente o provir
d’outra gestão
daí a cor do sangue escasso caro irmão protestante
que tão bem partes os passeios que passeio
assim que passo passo a passo me ditando!
TRAÇO COMUM
Vasco Gato
descalço-me de sombras para chegar a ti
as linhas do meu rosto são claríssimas
nelas não vês o velho, a criança, o adulto
vês apenas o traço comum
que é onde eu procuro a tua mão
na transparência da minha palavra inteira
O AMOROSO
José Viale Moutinho
o amor compreende
os fumos
os rumores dos lençóis
a boca
devoradora
esses cigarros
TRAGAM-ME UM HOMEM QUE ME LEVANTE…
Cláudia R. Sampaio
Tragam-me um homem que me levante com
os olhos
que em mim deposite o fim da tragédia
com a graça de um balão acabado de encher
tragam-me um homem que venha em baldes,
solto e líquido para se misturar em mim
com a fé nupcial de rapaz prometido a despir-se
leve, leve, um principiante de pássaro
tragam-me um homem que me ame em círculos
que me ame em medos, que me ame em risos
que me ame em autocarros de roda no precipício
e me devolva as olheiras em gratidão de
estarmos vivos
um homem homem, um homem criança
um homem mulher
um homem florido de noites nos cabelos
um homem aquático em lume e inteiro
um homem casa, um homem inverno
um homem com boca de crepúsculo inclinado
de coração prefácio à espera de ser escrito
tragam-me um homem que me queira em mim
que eu erga em hemisférios e espalhe e cante
um homem mundo onde me possa perder
e que dedo a dedo me tire as farpas dos olhos
atirando-me à ilusão de sermos duas
novíssimas nuvens em pé.
Cartel de la Exposición PASAPORTE EL CORAZÓN
Salvado hablando a Elías y Alencart (Partida, Portugal, 2016. Foto de Milola Gouveia)
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