El notable poeta lusitano António Salvado (Foto de José Amador Martín)
Crear en Salamana tiene el privilegio de publicar algunas de las versiones que hizo Antonio Salvado de poetas castellanos. El acto, coordinado por Pedro Miguel Salvado, se realizo en el Salon de Actos del Colegio Fonseca y en el marco del XXVII Encuentro de Poetas Iberoamericanos. Tambien, celebrando el V Centenario de Camões, se leyeron tres poemas suyos. Estos poemas vertidos al portugues, son un adelanto del libro “Na língua do outro lado”, versiones que en vida dejara ordenadas el notable poeta lusitano Antonio Salvado (Castelo Branco 1936-2023), el cual será publicado por Editora Labirinto para el XXVIII Encuentro (2025). Las lecturas estuvieron a cargo de Pedro Salvado, André Veiga, Joao Artur Pinto, Carlos d’Abreu y Luis Aguiar.
Pedro Miguel Salvado (foto de Angel Luis Holgado)
CLÁUDIO RODRIGUEZ
E sempre a claridade vem do céu:
é um dom: não se desvenda nas coisas
antes muito por cima, e as ocupa
fazendo disso a vida e o seu labor.
Assim alvora o dia; assim a noite
fecha o grande lugar das suas sombras.
E isto é um dom. Quem faz menos criados
cada vez mais os seres? Que alta abóbada
os tem no seu amor? Se Já nos chega
e ainda é cedo, e chega em derredor
à maneira dos voos que são teus
e plana, e se afasta, e, tão remota,
nada mais claro é que os seus impulsos.
Ó claridade sôfrega de forma,
de uma matéria para deslumbrá-la
queimando-se a si própria, a obra feita.
Como eu, como tudo isso que espera.
Se tu a luz a tens levado inteira,
como irei esperar algo da manhã?
Porém – isto é um dom – a minha boca
espera, espera a minh’alma, e tu me esperas,
ébria perseguição, só claridade
mortal como o abraço de uma foice,
Abraço até ao fim que nunca abranda.
Alfredo Pérez Alencart y Claudio Rodríguez, en Salamanca
(Foto de Luis Monzón,1998)
ANTONIO COLINAS
ALMEIDA
I
No cume do Monte existe um túmulo.
Treme ao Pé dele um álamo sonoro.
Por sobre a estrela dos baluartes
A imensidade dos azuis longínquos.
Aqui, no monte, próximo dos túmulo,
sobre a forte e amarelada erva,
sopra um vento vigoroso que traz
o aroma de azinhais incendiados,
de grandes rochas que o urânio inflama.
Em cima, pelo álamo, a vida
a dar frescura ao rebrilhar das folhas
(fina prata que treme nas minhas pupilas).
E debaixo da laje de granito
a funda morte do Jovem lord John Bereford,
que aqui perdeu seu sangue iluminado
em batalhas que já não se recordam.
E no alto, entre a árvore e o túmulo,
um corpo noutro corpo bebe esquecimento:
a batalha dos lábios sem vitória,
teus seios e minhas mãos derrotados.
Vida e morte respiram em uníssono
no nosso amor, que arde com os céus.
Este lugar está no noroeste.
De noite, apagados já os incêndios
dos céus, esses corpos e aqueles bosques,
o monte, a árvore e os lábios são,
na rota celeste, um túmulo de astros.
II
A negra árvore brota dos mortos,
mas busca ainda vida em fugitivos céus.
O mesmo acontece ao homem dos páramos.
Há uma roxa luz morada atrás dos vidros
tristes disso que foi Casa de Expostos.
Anoitece e faz frio, mas uma criança
e um velhote, agarrados pela mão,
surgem quietos no imóvel mar
dos montes e dos vales e das trevas,
lá desde a solidão do muramento.
Suas presenças nada as justifica
no momento de pânico dos mochos.
Como a luz do postigo permanecem
bem roxos e sonâmbulos seus lábios:
e pousam ternamente no ar húmido
à espera de entregar ou receber
o impossível beijo que os liberte.
Que tão doce mensagem ou terrível
virá, com asas negras, asas brancas,
desde o profundo fundo dessa noite,
se a negridão já não lhes causa espanto?
Se o anjo não chegou, esperam o quê?
Só há uma razão que justifique
ser humano entre pedras derrotadas:
eles não são nem foram deste mundo.
Aguardam a chegada de algo, alguém
que os tire dum viver que não tem vida,
que os cubra, que os arraste e que os mantenha
além, no doce abismo que é todo o abismo.
António Salvado, António Colinas y Héctor Ñaupari, en el Ayuntamiento
(foto de Jacqueline Alencar)
FRANCISCO BRINES
O CORPO PARTIDO
Há ocasiões em que a alma
se parte como um copo,
e antes de quebrar-se
e de morrer (porque as coisas morrem
também) enche-o de água
e bebe, quero dizer que deixes
as palavras já gastas, bem lavadas,
no fundo quebrado
da tua alma,
e que, se puderem, cantem.
A DESPEDIDA
Já estás, após a curva, a velhice,
como uma árvore sem folhas. Paremos
aqui, por um momento, sob o céu
que dá o véu dourado às palmeiras
e passa a tua mão sobre o meu ombro
Respiremos a luz que se faz escura
e alarga as distâncias: um engano,
que é a piedade de um deus. Ele favorece
a dura despedida da tua vida.
Terás de regressar, e farás caminho
de novo pelo mundo tão amado.
Mas, no entanto, aguarda a noite:
quando aparecer além o primeiro astro
faremos um ao outro adeus, e eu irei sozinho.
Lectura de António Salvado en Salamanca (foto de José Amador Martín)
ANÍBAL NÚÑEZ
FOLHA DE DIÁRIO
Encontrámo-nos tu e eu no mesmo passeio
Nesta manhã de sol.
Eu caminhava
Com dois ou três amigos,
tu vinhas já
com recentes olhares na casa
– eram minhas –
e uma amiga de azul agarrada ao teu braço.
Levavas
a bolsa ao ombro
o cabelo solto
a tristeza no sítio do costume;
e, bem fixo,
– como um boneco de papel
que apenas eu em ti vi
e que já tinha esquecido –
um soneto para ti
escrito
há dois anos já
nesta varanda
onde estou a merendar,
empenhado em ver crescer as árvores…
E nada mais:
aqui
esta carta termino
sem um marco onde poder metê-la.
CANÇÃO DO DIA EM QUE PASSEAVA PELO CEMITÉRIO
Há já muito tempo: 15 dias
quando o sol não tinha ainda feito as maletas
lembras-te? Passeávamos
sob suaves ciprestes
como chupa-chupas da Havana gigantescos
e como dois balões de cor de rosa
ressaltavam
de túmulo para túmulo
o teu sorriso e o meu
9 teu sorriso
– isto é o que se diz em casos semelhantes –
como naquela foto das tranças que agora
guardo entre as páginas de um dicionário.
Fazia sol e chovia mas apesar de tudo
não apareceu o arco-íris – seria demasiado.
Dizer-te isso não quis, porém vi uma gota
de chuva a resvalar pela tua face
de um retrato ovalado de porcelana
de uma menina que em 1907 subiu ao céu.
Hoje não temos notícias do sol
dormem
na penumbra subterrânea
todas as lagartixas.
Mas amanhã
(ererybody needs someboby to love)
deve chegar a primavera
dois as flores mais belas
crescem nos sorrisos de trifosfatos cálcios.
Pepe Ledesma y António Salvado en los Encuentros de Poetas Iberoamericanos
(foto de Jacqueline Alencar)
JOSÉ LEDESMA CRIADO
A PALAVRA E O CANTAR
Se a rosa se nos escapa
e vai-se o manancial,
Os lírios parecem juncos
e o rio parece o mar.
E chamar a madressilva
e a açucena chamar,
convocar também as pombas
que sonham com a verdade.
Deixar quieta a palavra
lá donde chega o cantar,
citar pássaros e torres
para que renasça a paz.
É se nos rodeia a noite,
está perto o madrugar,
canta o galo, canta o vento,
minha palavra no mar.
Víctor Oliveira Mateus, Antonio Salvado, Pedro Salvado y Carlos d’Abreu, en Salamanca (foto de Jacqueline Alencar)
JESÚS FONSECA
MANHÃ LISBOETA
Vida em frente, vida em cada
ramo, vida nos teus olhos, tão claros,
tão risonhos. Por isso estou tão
contente: pois nunca mais que
hoje senti o muito que te quero.
Nada melhor, por estes bairros
de Lisboa, que a dádiva
que o viver implica; a sorte que
se alonga lenta, muito lenta,
para assim ser gozada, com sabor a mar.
A alegria de estarmos juntos,
definitivamente juntos, assim, -dia
após dia-, com o único desejo de
se ser feliz, felizes aqui na terra,
sem termos que ir a outro lugar.
Juntos para despedir o dia e
vê-lo chegar do rio até à margem,
da terra à água, da água ao
teu corpo, do teu corpo ao meu,
para sermos, para sermos – e basta.
Alfredo Pérez Alencart, Jesús Fonseca y António Salvado, en Zamora
(foto de jacqueline Alencar)
JOSÉ MARÍA MUNÕZ QUIRÓS
Gosto de olhar o que os pássaros observam,
essa altura onde a paisagem se esconde
entre as nuvens e ilumina em solidão de névoa
a linguagem dos campos reverdecidos e novos.
A azinheira esconde a sombra na límpida planura
quando a noite perde os seus contornos escuros.
E no fim fica apenas essa luz das aves noturnas
Que lentamente sobrevoam a solidão do mundo.
***
Não pressagio a luz, não está no vão
delírio da noite. Nada mora
no tímido fogo do instante
fugaz deste minuto. Outra medida,
é outra a dimensão e é outro
o viver que nos deixa.
À margem deste instante nada fica,
vazio, fundo vazio.
Não me nomeia já o fim
dos caminhos, não me diz
palavras que o silêncio emudece
com a força de uma febril duna de fogo.
Estou à margem dos fieis
inseguros caminhos.
Vou sozinho pela pegada de mim próprio.
Éramos relâmpagos de tempo,
secura e vazio.
A crença mais bela é esquecer,
cerimónia que brilha
nesta magnitude herdada por todos
nós, os que vivemos no velho
esconderijo do bosque
da linguagem.
António Salvado, J. M. Muñoz Quirós, A. P. Alencart y Francisco Javier Sánchez
(Toral de los Guzmanes, 2008). Foto de Jacqueline Alencar
ELENA DÍAZ SANTANA
AS ALIMÁRIAS SAEM DE NOITE
Hoje dialogo com o vento,
peço-lhe que não se cale,
que me conte o que acontece além,
onde se encontram, impunes, os sem alma.
Não se pode
manchar a rosa,
cortar ao pássaro o voo,
negar à onda a margem.
Na sem-razão, o cobarde
mancha da mulher o corpo
enxovalha-o de si próprio,
veste nele toda a sua raiva,
para ser dono de nada.
Não ganharás esta batalha,
nem poderás afastar da consciência
tamanho horror como o que juntas.
E a tua herança é
viver prisioneira até ao último olhar,
ler nessa dor e nesse desprezo
os seus olhos para sempre
e teu cárcere e a tua condenação.
António Salvado, Elena Díaz Santana y Elena Liliana Popescu (foto de Jacqueline Alencar)
AÍDA ACOSTA
ADEUS
Adeus Lisboa
o sol resvala pelos telhados férteis.
Ficam atrás os empedrados brancos
fica atrás o carro – eléctrico dos beijos.
Percorri as tuas ruas
com um pouco de tristeza
Recolhi as tuas lâminas
como um encaixe para a recordação.
Adeus Lisboa
as tuas mãos conservam a frieza
desenhaste a minha sombra com todas as palavras
e não pude regressar a horas ao meu desejo
as portas anunciavam caracóis
e as ruas endoidevidas pariam lamentos de luz.
Adeus Lisboa
alguém me recolhe do voo
nos seus braços
e no exacto vértice das tuas gaivotas
sonho a canção sem a escrever
essa da dimensão azul.
Adeus Lisboa
alguém te nomeia na solidão
com o sol entre os dedos
e pestaneja nos seus lábios
o teu nome
e beija outos lábios
e beija-te.
Aida Acosta (foto de Ángel Luis Holgado)
ALFREDO PÉREZ ALENCART
CANÇÕES DE FRONTEIRA
NOVE
De imediato pude ver
o que faz brilhar a minha vida.
De imediato senti como chegava a luz
às minhas entranhas.
De imediato ouvi um pássaro misterioso
que já não apaga o seu canto.
De imediato a vitória -nesta terra-
estava nas minhas mãos:
nasceu o filho que tem à minha medida.
ONZE
Salta, irmão, a raia da fronteira
que -larga- silencia o que eu canto hoje.
Estamos tu e eu no mesmo lado
porque vamos olhando o coração.
Pega na minha mão subindo p’los sentidos,
e ouve a minha voz chamando-te irmão.
Tão próximos vivimos e tão longe
que já vai sendo tempo em estar unidos.
TREZE
Cânticos primitivos chamam
até ao litoral dos desejos.
A entrega é uma equação
que apenas se revela ao que ama.
Nunca é suficiente o fogo
para o encontro ilimitado.
Para chegar ao fim atrasou-se-me
no portal das ressurreições.
Lição de constância decorosa
interminavelmente partilhada.
Ficam tremelicantes avelórios
p’las calcinadas pontas dos dedos.
CATORZE
Pergunto aos homens
qual é o cântico
que apaga as fronteiras.
Que me expliquem a lei
que limita os sonhos
sem pestanejar sequer.
A. P. Alencart y Antonio Salvado en Salamanca (foto de Jacqueline Alencar)
TRES POEMAS DE CAMÕES
A Dor da Ausência Fica Mais Pequena
Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,
O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais pequena.
Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tão fora
De me não apartar também da vida?
Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.
António Salvado, Pilar Fernández Labrador, Pedro Salvado
(foto de Jacqueline Alencar)
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
André Veiga, (foto de Ángel Luis Holgado)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Joao Artur Pinto (foto de Ángel Luis Holgado)
Luis Aguiar (foto de Ángel Luis Holgado)
Carlos d’Abreu (foto de Ángel Luis Holgado)
Carlos d’Abreu (foto de Ángel Luis Holgado)
La última participacion de Antonio Salvado en Salamanca
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